domingo, 19 de fevereiro de 2012

Dificuldades, força de vontade e diploma na mão

Luta de estudantes curaçaenses completa ‘bodas de prata’.

Carro quebrado: apenas uma das adversidades dos estudantes  
Em meados dos anos 70, alguns filhos da terra partiram rumo a São Paulo em busca de uma formação superior. Fazer uma faculdade era um sonho comum a todos. Muitos viajaram para estudar em outros municípios, alguns em grandes capitais do país. Já no início dos anos 80 grupos de alunos começavam a se articular no intuito de facilitar, principalmente, o custeio do transporte escolar para as cidades mais próximas como Belém do São Francisco e Petrolina, em Pernambucano; e Juazeiro, na Bahia, onde já existiam universidades. Lá se vão mais de 30 anos marcados de labuta, perigo, alegria, festa e um desejo realizado: canudo na mão, beca no corpo, capelo na cabeça, mais um degrau subido e o orgulho por ter conseguido se graduar. 



O início 

Morar no interior não é fácil. Pior é fazer um curso superior se sua cidade não o oferece. Foi em virtude dessas adversidades que surgiu a primeira organização jurídica formada por estudantes, a Associação dos Universitários de Curaçá (AUC). Durante quase dez anos, a entidade ajudou a formar pessoas, transformando-os em cidadãos através das mais diversas atividades que movimentaram a cidade e a comunidade. Segundo a professora do Colégio Estadual Manoel Novaes, Isabel Pereira Martins, a união era o elemento crucial. “Naquela época era muito bom, mesmo com tantas dificuldades, nos divertíamos e fazíamos acontecer, éramos unidos”, relembra a ex-sócia. 

Paulo César, sócio-fundador da AUC
A ideia de formar a associação foi da bancária Maria das Graças de Carvalho e do tenente da polícia militar João Pedro de Carvalho. Após encontros e discussões sobre o assunto, em maio de 1986, 27 pessoas se reuniram no Colégio Estadual Scipião Torres, entre elas Paulo Cezar Dias Torres, que revela com detalhes do início ao fim da AUC. “Naquele ano foi lavrada a ata de fundação e de eleição para primeira diretoria da agremiação. Começa ali uma história/um desafio que se estende até os dias de hoje”, completa o professor e sócio-fundador.

A maioria dos estudantes se deslocava para Juazeiro e Petrolina e alguns para Belém do São Francisco. Organizar-se numa associação foi decisivo para várias conquistas, dentre elas a aquisição de ônibus junto a políticos. Antes disso, carros abertos com colchões estendidos transportavam a esperança de jovens curaçaenses que nas palavras de Paulo Cezar “comeram o pão que o diabo amassou”, para conseguir se formar. Muitas vezes, foi o motivo de gozação, chegar à faculdade com cabelos assanhados e com roupas sujas e empoeiradas. “Hoje em dia só não faz faculdade quem não quer, está tudo mais fácil e ainda assim muitos, principalmente os jovens, não se interessam”, desabafa Maria das Dores Pires Araújo, contemporânea. 

Fim de uma, nascimento de outra 

Com o término anunciado da Associação dos Universitários de Curaçá, em meados dos anos 90, um período de quase três anos foi preenchido pela falta de organização e compromisso com movimento estudantil por parte de políticos locais que não se preocuparam com a situação. Sem entidade que os representasse oficialmente, os estudantes curaçaenses procuravam qualquer meio para estudar, sem articulação e em grupos isolados. Em virtude disso, muito foram morar em Juazeiro e Petrolina, pois não tinha mais transporte que os levasse e os trouxesse todos os dias, já que o ônibus fora vendido por decisão do grupo. 

Surge então nos idos 1997 a Associação dos Estudantes de Curaçá (ASSEC), outra instituição de representação da categoria, no entanto com novos propósitos: a intenção de incluir em seu quadro social não apenas universitários, mas estudantes em geral; além da realização de atividades sócio-educativas, através de parcerias. Para Dione Félix, contadora e sócio-fundadora, a ASSEC democratizou o acesso e a permanência dos educandos na entidade. “Quando fazíamos um cursinho ou outra coisa que não fosse faculdade, sofríamos preconceito da AUC. Com o seu fim e a necessidade de continuar estudando, resolvemos fundar uma nova associação”, conclui. 

A ASSEC durante alguns anos passou por obstáculos, desde a formação do seu grupo (e com sua quantidade instável) até a locação de transportes (valores oscilatórios). Carros abertos e desconfortáveis voltaram a ser a sina dos estudantes curaçaenses. A ASSEC sempre enfrentou problemas com a manutenção dos transportes: seja pela carência de apoio do Governo Municipal, até porque não existe verba garantida para isso; ou pelos custos altos cobrados pelas empresas de ônibus e vans; e até pela falta de regularidade de um grupo de sócios, uma vez que uns fazem cursinhos rápidos, outros se formam, ou saem porque não conseguem arcar com os custos. “Isso prejudicou, e ainda prejudica muito, especialmente os balanços da administração. Por exemplo, um prefeito vem pagando normalmente uma ajuda e de repente, sem avisar, a corta de vez; um sócio sai sem avisar, após já ter sido incluído no rateio mensal. Tudo isso influi no valor e pega todos de surpresa. Nesses onze anos, em que estou na Associação, já vi duas situações a ponto de colocar o termo extinção da entidade em debate por isso”, relata Maurízio Bim, atual Diretor de Comunicação da entidade. 

Algumas mudanças e a interferência política 
Cronograma de atuação das associações

Da AUC para a ASSEC para a AESC. Como se não bastasse os problemas, ainda criou-se por intervalo de quatro anos uma lacuna na história do movimento e organização estudantil em Curaçá. A primeira associação foi fundada em 1986 e durou até quando a maior dos sócio-fundadores concluiu seus respectivos cursos e até que uma decisão dos remanescentes optara em vender o transporte que em outrora serviu a muitos. Surgia a segunda instituição, enfrentando os mesmos problemas e o maior deles, sem dúvida foi o transporte escolar. Entre entrada e saídas, acertos e desacertos, a ASSEC teve parte de sua história interrompida, por interesses particulares de alguns membros insatisfeitos e por caprichos políticos, o que fez surgir uma terceira associação, a AESC, que não durou mais que 4 anos de uma administração pública. Para a sócia Jaquelline Isabel Pereira Martins, foi um absurdo o que ocorreu. “Eu nunca consegui entender direito o que aconteceu e quais as verdadeiras intenções daquele pessoal. Eu mesmo sofri bastante para me associar e fiquei quase um mês perdendo aula”, desabafa a estudante.


A volta da ASSEC e sua importância social 

Por decisão em assembléia, a partir de março de 2009, a ASSEC passa a ser a entidade máxima de representação estudantil, com abrangência em todo o município de Curaçá. Os trabalhos são retomados, nova diretoria é formada, assim como novos objetivos e metas são traçados. Para Jefférson Luiz Martins “aquele momento foi a hora de dar a volta cima e começar a escrever uma nova história, que continua a ser escrita, uma prova disso é a produção dessa reportagem”. 

Vários relatos de sócios falam da necessidade da organização se voltar mais para a comunidade atreves de eventos sociais e culturais. Ao longo da história já foram feitas: distribuição de presentes para crianças (nos 12 de outubro) e cestas básicas (em finais do ano) por meio da obtenção de produtos pelos associados. Também já foram feitas palestras, acompanhamentos em eventos públicos e outros esportivos, e mais recentemente ambientais. Além disso, a ASSEC discute outras formas de contribuir com o Município: “Todos os sócios que são universitários deveriam produzir algo, nas suas áreas de conhecimento, que tematizassem Curaçá; depois organizar isso num livro, slides, vídeo, qualquer coisa. Isso fica pra vida toda, mais que palestras e eventos sociais. Por isso criamos a Amostra Científica de Curaçá – AMOCC, que além de estimular a produção científica no Município, é um espaço no qual os sócios são evidenciados e apresentam suas produções para a população e ainda deixam cópia na Biblioteca Local. É a melhor contrapartida do investimento feito por essa mesma população e é infinito se for bem cuidado”, atesta Maurízio. 

A ASSEC também vem conseguindo maior visibilidade pela integração com outras organizações governamentais ou não. Eventos públicos como o Dia da Água e do Meio Ambiente são momentos de discussão social nos quais a instituição reafirma sua participação, contribuindo com a discussão, materiais e outros custos, como aconteceu nesse ano. “Tivemos que tomar a frente desses dois episódios, uma vez que outras entidades estavam comprometidas com outras situações. Mas procuramos dar continuidade a essa luta em favor de um Município e Planeta melhor. Sabíamos da importância, então agarramos a liderança, mas sempre contando com o apoio de todos. Assim, nós deixamos de ser somente uma associação de transporte de estudantes e passamos a protagonizar na cena da comunidade, na cidadania plena”, destaca Susanne Almeida, sócia e organizadora do evento. 

Porém, conforme conta membros da Diretoria, existem dificuldades. Uma delas é a de mobilizar sócios para esses casos. “Acaba que poucos têm que cuidar para que as coisas aconteçam, caso contrário, seria um fiasco, a Caminhada da Água, do Meio Ambiente. Parece que as pessoas não querem mais participar das atividades sociais, que são importantes, são complementares na educação de todos”, reclama Eliane Mesquita, Diretora de Eventos. 

Atualmente 

A Associação de Estudantes de Curaçá (ASSEC) está quase virando uma debutante. Prestes a completar 15 anos, a agremiação hoje é referência no Município. Com cadeiras ocupadas por seus membros nos Conselhos do Meio Ambiente e Conselho do Fundeb, além de Colegiado Escolar, a ASSEC está sempre representada em encontros, conferências, congressos e atividades pontuais realizadas no município como datas comemorativas. Um ônibus e uma van fazem o trajeto Curaçá-Juazeiro-Petrolina transportando os mais diversos alunos para os mais variados cursos. “O trabalho da ASSEC hoje é diferenciado em relação à época em que eu estudava e fazia parte da AUC. É muito mais estimulante para quem está estudando, além de possibilitar mais pessoas a buscarem novas oportunidades”, afirma Claudete Gama, membro da antiga associação.

 Gilmar no Ponto de Apoio da ASSEC
Para o sócio Gilmar Vieira de Araújo toda é qualquer entidade, seja de estudante ou não, tem um poder representativo. “É preciso que estudantes percebam isso no decorrer da vida. A gente observa que a ASSEC tem esse poder e dá uma contribuição muito grande para o município”, finaliza. Já a graduando em história, Valéria Ataídes, destaca que a associação tem o importante papel de facilitar o acesso dos estudantes ao ensino, seja eles de faculdades, cursinhos ou qualquer outro tipo de atividade educacional. Esses jovens reafirmam em seus discursos que incluir, facilitar e contribuir são os princípios fundamentais da entidade. 

A ASSEC tem em quadro social mais de 100 sócios ativos que viajam todos os dias, correndo perigo e arriscando suas vidas, em busca de uma formação, não apenas educacional, mas também cultural, social e política, partes que entre formam um bloco essencial na formação do indivíduo e na sua transformação em cidadão. 

Já são 25 anos de luta desde a primeira assembléia que consolidou a criação da Associação dos Universitários de Curaçá (AUC). Centenas de pessoas desde então se associaram e fizeram partes de grupos aparentemente distintos, mas que carregam em si objetivos, desejos e sonhos semelhantes. E essa peleja deverá ser estender por mais alguns anos, até que Curaçá possa, enfim, oferecer cursos de preparação e formação técnica e superior, de maneira viável e qualificada. 


Ata de fundação da primeira associação
O lema da atual Associação de Estudantes de Curaçá (ASSEC) é “parceria em prol da educação”. Talvez pelas dificuldades de outrora e pela resistência aos anos (foi esta a agremiação que mais durou e ofereceu oportunidades, segundo os próprios sócios) ser parceira foi o que mais a ASSEC soube fazer. As dificuldades sempre existiram e se farão presentes em muitas situações, mas depois de tantos anos, aprender a lidar com desafios foi vital e o alento para afrontar toda e qualquer barreira. Morar em Curaçá e estudar fora, nunca foi fácil e jamais será, reunir-se em grupos, buscar apoio, correr riscos, tudo em busca do conhecimento vai ser sempre a função primordial de uma associação de estudantes. Manter-se viva, ativa e atuante, dependerá dos atuais membros e dos que virão. E isso só o tempo dirá. 

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