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O Josemar que virou Pinzoh |
Josemar da Silva Martins, mas conhecido como
Pinzoh, filho de Curaçá-Bahia, professor da UNEB, poeta, músico e idealizador
do INOVE, fala da sua geração e dos movimentos culturais, analisa a cultura
curaçaense e sua transformação em espetacularização, suas frustrações e
transversalidades primordiais, seus planos e ainda alfineta a perversão e
alienação da juventude
L.
Lugori / R. Guimarães - Como você enxerga a cultura de Curaçá? Ela e seus ícones continuam com a
mesma originalidade?
Pinzoh - A cultura de Curaçá é um
negócio bem amplo. Existem ali alguns ícones culturais ligados às tradições
como, por exemplo, os vaqueiros cujo ícone é mantido através da Festa dos Vaqueiros,
os marujos e a marujada, as festas de São Benedito e São Gonçalo. Essas
tradições tem autonomia em relação ao status, existe um ritual próprio, existe
até um calendário de acontecimentos de reiteração da cultura que é próprio. No
meu modo de ver essas tradições diminuíram a regularidade e passaram a
acontecer de modo festivo. Uma roda de São Gonçalo e um Reisado, por exemplos,
que eram dentro de um ritual religioso, agora acontece dentro de um ritual mais
festivo, mais espetacularizado, próximo da coisa do turismo, uma coisa mais de
multidão e, inclusive, diante disso passaram a ser geridas pelo poder público,
causando a perda de sua autonomia. Fora do âmbito das tradições culturais tem a
cultura mais ligada à arte e a estética, são os símbolos artísticos estéticos
(as artes, a música, a dança, a poesia etc). Nesse sentido, acredito que todo
mundo quando fala que é de Curaçá, existe geralmente uma reação que Curaçá é
uma cidade cultural, isso pelo fato de ter um teatro centenário, pelo fato de
que ali sempre houve, em vários momentos da história, um poeta, uma pessoa que
lhe dava com música, que tocava. Tem pessoas significativas que tem uma origem
em Curaçá. Quando falamos que Curaçá é uma cidade cultural nos referimos um
pouco a essa história da arte em Curaçá, do Teatro Raul Coelho, de Meu Mano e do
pessoal de Barro Vermelho. Este lugar tem uma veia cultural artística como Fred
Dantas e Adelmário Coelho. Dizem até que João Gilberto nasceu em Barro
Vermelho, à família de dele tem origem lá.
Já houve um momento em Curaçá que tinha lugares que você ia e ouvia
músicas interessantes, tocava violão, conversava. Hoje, em todos os lugares
você houve a mesma música, então, parece que houve uma homogeneização do que
tem de pior, o que é um paradoxo já que a gente está numa sociedade em que
todos discutem a questão da diversidade, a sociedade da diversidade e, no
entanto, você chega a Curaçá e é uma redundância constante das mesmas coisas,
dos mesmos gestos, dos mesmos gostos, enfim, do mesmo sotaque estético.
Inclusive as tradições populares também vão se aproximando um pouco dessa
espetacularização que acontece pela indústria cultural. A Festa dos Vaqueiros é
um exemplo claro disso, houve uma perda significativa das características
típicas da festa, quer dizer, os vaqueiros hoje são a desculpa oficial da
festa, eles são alegoria que funciona como a disputa oficial da festa, mas a
festa não é mais dos vaqueiros e nem para vaqueiros, é festa para turista. A
Festa de São Benedito continua tendo um simbolismo muito forte, mais a cada dia
que passa há uma tendência também de se espetacularizar e perder esse
simbolismo. Pessoas falam da perda simbólica que está havendo na Marujada,
porque muita gente vai para Marujada pra fazer farra, vai por ir, vai porque se
joga lá e enche a cara. Presenciei uma cena em que o líder da Marujada estava
dando uma bronca num grupo de jovens que estavam tocando pagode lá, ele falou,
“aqui não é pra tocar pagode e sim as músicas da Marujada”. A tendência é a perda
de qualidade simbólica em benefício de uma espetacularização mais ligada ao consumo
geral, é virar objeto de consumo, moeda de troca. A minha sensação em relação aos
movimentos culturais de Curaçá é que eles se fragilizaram em relação a tudo isso.
Você poderia
relatar de que modo sua geração, na efervescência dos anos 80, contribuiu para
valorização e divulgação da cultura curaçaense?
Pinzoh – Eu acredito que aquilo que a gente
fez não contribuiu muito para a cultura mais tradicional da cidade. O que a gente
fez foi questionar o que estava sendo colocado lá, pois incomodava-nos aquela coisa
da banalidade das músicas e da estética cotidiana. A gente viveu muito o
teatro, a poesia, o rock, a gente ouvia muita Música Popular Brasileira, como
Pena Branca e Xavantinho, Fagner, Caetano, Belchior, Ednardo e tanta gente.
Hoje em dia, se você colocar o próprio termo Música Popular Brasileira, as
pessoas vão lhe perguntar-se sobre o que isso é afinal? O Rebollation e a Lapada na Rachada são ou não Música Popular
Brasileira? Quero dizer com isso, que de
lá para cá, houve uma perda também do significado da própria noção de Música
Popular Brasileira. De certo modo, o que a gente fez em Curaçá foi questionar o
rebaixamento estético, o qual havia em todo lugar. Então assim, o fato da gente
ter vivido o teatro, ter vivido com certo nível de irreverência, não um teatro
convencional, papai e mamãe, não era esse tipo de teatro, era um teatro com
certo nível de ousadia. A gente lia Augusto Boal com O Teatro do Oprimido e Bertolt
Brecht com um tipo de proposição mais política. Uma coisa que a
gente, por exemplo, se relacionava bem era com o chamado analfabetismo político,
o Analfabeto Político de Bertolt Brecht. A gente estava ali pegando
a referência que era típica daquele momento de abertura, finalzinho da Ditadura
Militar, aproveitando um ressurgimento da cultura nacional, da música do
nacional, do rock nacional, de um questionamento generalizado que estava vindo
naquele período. Eu acredito que a gente desfrutou daquilo e levou para Curaçá
o que nacionalmente estava pulsando, não era coisa dedicada ao abestalhamento, e
sim a colocar um questionamento crítico ali em relação à própria cultura.
Sabemos que foram
tantos os eventos, encontros e movimentos, e mesmo com dificuldades, com
enfrentamento político e a represália militar, eles aconteciam. De quem partiu
a idéia do Movimento Curaçarte, o qual foi, digamos assim, ‘revivido’
recentemente no Revival? Qual foi o verdadeiro sentido do movimento?
Pinzoh - Na verdade não partiu
deliberadamente de uma pessoa. O que aconteceu foi o seguinte: havia pessoas
que estavam voltando de fora para Curaçá, tem haver com o fato de ter pessoas
que tinham uma conexão para além de Curaçá. Então você tinha: Roberval que morara
em Recife e tinha uma relação, portanto, com o mundo urbano e com coisas de outra
atmosfera cultural. Dodó tinha morado em São Paulo, tinha participado de
algumas práticas que a gente até pode classificar como práticas do Movimento Hip.
Ele trouxe uma referência de música, de poesia. Pinduka e Nilson, irmãos de
Dodô, estavam voltando de São Paulo também. Tinha um pessoal que trabalhava na
Casa Paroquial, ligada à igreja, mas que era um pessoal do Sul, do Paraná, mas
com uma referência importante de poesia, música, literatura, cinema e teatro. Então
o que aconteceu foi uma convergência de referências que estavam chegando
naquela época e que acabou se juntando com quem estava lá, com quem estava meio
de bobeira, estava aéreo, foi isso que aconteceu. Por exemplo, a 1ª Semana
Cultural, que aconteceu no inicio dos anos oitenta, se não me engano foi
oitenta e dois, foi a que eu participei, fiquei em terceiro lugar com a poesia
A Mão, eu nem sabia o que era aquilo, ali tinha um pessoal que chegavam
entusiasmados com as coisas que viram aí pelo mundo e disseram assim: - Vamos
fazer alguma coisa aqui! E então fizeram essa Semana Cultural. O Movimento Curaçarte
surgiu dessas semanas culturais, se eu não me engano foram umas 5 ou 6. No
primeiro ano fui apenas participante, do segundo em diante, eu já tinha
integrado o grupo que estava organizando. Enfim, a gente foi se misturando, vários adolescentes de bobeira na cidade a
fim de fazer coisas e acredito que isso foi nos agregando e aí virou um
movimento nosso. De inicio não era um movimento meu, pois eu estava chegando da
roça, do São Bento e fui me envolvendo com Roberval, Libânia, Lurdinha, Ivan,
Dodó, Pinduka, aí foi entrando eu, Iran, Cacá de Bela, Nazaré, Zuleide, mais
tarde Leila e outras pessoas da cidade começaram a participar. A Curaçarte para
mim foi resultado dessa confluência de coisas que estavam acontecendo.
Você foi um dos responsáveis pela criação da ONG INOVE no município. O
INOVE já fez muitos projetos, inclusive, um deles foi contemplado justamente na
área da cultura, o que resultou no curta (nem tão curto) 'O Estado da Arte da
Fuleragem', que teve algumas cenas gravadas em Curaçá, isso foi fruto de uma
preocupação com os rumos que estão tomando as coisas em Curaçá?
Pinzoh - Eu tenho certa frustração com o INOVE, porque
ele de fato foi proposto para catalisar energias da cidade e fazer com que
essas energias humanas pudessem ir atrás de apoio, recursos e criar
oportunidades lá. Isso foi de certo modo frustrado e eu mesmo tenho um nível de
frustração em relação ao INOVE. Mas a proposta do INOVE, era de fato
problematizar a forma como a gente vem fazendo cultura, que é cada vez pior.
Existem duas coisas: o mercado da cultura que é cada vez pior, com pouca
dedicação das pessoas e existe também o mercado que contempla a arte
sofisticada, voltada para elites – para quem pode pagar bem, ir aos teatros ver
peças clássicas como Hamlet de Shakespeare. Obras caras que não são acessíveis
ao povo. Ao povo, hoje em dia, existe um conto que reflete bem a oferta ao
povo: ‘O mito das sereias’, que é a obra Odisséia de Homero, quando Ulisses
está voltando para Grécia e encontra à feiticeira Circe, esta o aconselha para
que se ele quisesse escapar, ele teria que se amarrar e tapar os ouvidos dos
remadores para não ouvirem o canto das sereias, que são belíssimos, mas são tão
belos que qualquer vivente que ouve se atira e se deixa consumir pela beleza
dos cantos. Então, O pessoal da história de Frankfurt acha que esse é o momento
que a arte se dividiu em arte de elite refinada, tão refinada que o consumidor
dessa tem que ser educado, amarrado, aprisionado aos rituais para poder não se
entregar a essa beleza, e ao povo geralmente o que se dá é cera nos ouvidos,
como a música de hoje. Eu tenho a impressão que a música atual acaba
danificando o aparelho auditivo e a capacidade de ouvir, de lhe dar com a
sutileza. Então, o INOVE tinha não só o interesse em questionar essas coisas,
mas também oferecer por outro lado oportunidades, mas, por enquanto, precisa-se
inovar. O que aconteceu foi o seguinte: devido a minha falta de tempo não pude
dedicar-me a ele e também fiquei um tanto cansado com as pessoas que faziam
parte dele e o abandonei. Mas enfim, a história do INOVE não está terminada. O
meu interesse com INOVE ou sem INOVE é continuar questionando em Curaçá o modo
que a gente anda produzindo e dispondo a cultura para a população.
O INOVE tem pressupostos fincados na gestão ecologicamente sustentável dos recursos naturais e na manutenção da diversidade cultural e biológica para as presentes e futuras gerações. O município tem sofrido com alterações socioeconômicas e histórico-culturais, ainda mais agora com a construção de barragens. Você acredita que toda essa construção histórica pode ir por água abaixo?
O INOVE tem pressupostos fincados na gestão ecologicamente sustentável dos recursos naturais e na manutenção da diversidade cultural e biológica para as presentes e futuras gerações. O município tem sofrido com alterações socioeconômicas e histórico-culturais, ainda mais agora com a construção de barragens. Você acredita que toda essa construção histórica pode ir por água abaixo?
Pinzoh – É, por água abaixo
literalmente [risos], literalmente por água abaixo, porque se construir as
barragens pelo o que eu sei, a ilha, por exemplo, desaparece, não sei se vai
por água abaixo, mas pelo menos vai
ficar embaixo da água. O lance das barragens é um tema complicado porque, por
um lado ele mexe com a vida de muita gente, tem uma coisa dolorosa que é tirar
as pessoas dos lugares e levar pra outros. Você tem um problema sério que
produz certo desequilíbrio. Agora, se for vê por outro lado, esse desequilíbrio
pode ser também produtor de outras ecologias de sentido, depende do modo que
for feito. Eu não sou muito otimista em relação a isso, porque até a coisa se
equilibrar, haja desequilíbrio. O aquecimento global vai receber uma
contribuição formidável porque a geração de energia elétrica é uma das fontes
de aquecimento global e a gente vai dar a nossa cota de contribuição para o
desequilíbrio global. O grande paradoxo disso é que tudo é feito em nome do
desenvolvimento, do crescimento econômico e da geração de renda, o modelo de
crescimento mundial está sustentado nisso. O desenvolvimento é paradoxo, fica o
tempo todo produzindo riquezas e nos levando para o abismo. Isso também vai
chegar a Curaçá e acredito que boa parte da população até deseja isso. A
prefeitura, talvez, até deseje os royalties
que é um dinheiro que não se presta conta e os políticos sentem-se contemplados
com isso. É um problema sério, mas não está tudo perdido. A interferência na
cultura eu não consigo avaliar do ponto de vista da cultura, o que tem de bom e
ruim, primeiro porque essa interferência já existe da forma mais escrota [sic]
possível. Quando você fala de patrimônio cultural, uma boa parte simbólica vai
ser afogada. Se considerarmos que o cemitério é patrimônio histórico, que é
onde está à ancestralidade da nossa gente, boa parte da história, é preciso
considerar que esse patrimônio vai ser afogado. Existem essas perdas que são
irreparáveis e incalculáveis. Estou me referindo há um tipo de conteúdos
simbólico, mas existem outros conteúdos símbolos que tendem ir por água abaixo,
ou então ficarem embaixo d’água com essa história das barragens. Agora com
relação à interferência na cultura ordinária da cidade e com o tipo de
distribuição cultural que tem na cidade, eu não sei se piora mais do que já
está, pois já está muito ruim. Pode ser que, inclusive, apareçam outras pessoas
com capacidade e outras mentes para produzir outros significados, nesse
sentido, acredito que pode ser algo até bom.
Você escreveu no
perfil de seu Blog que se chama Josemar Martins, mas que há muito tempo virou
Pinzoh, que virou Professor, mas é a poesia, a arte e a cultura a sua
transversalidade primordial. Como você explica isso? Nessa transversalidade, você inclui temas
como Curaçarte, O Último Pôr do Sol, Aqbxiba, Revival, o que isso represen
(ta/tou) para você e para Curaçá?
Pinzoh - Quem paga minhas contas é o
salário que eu recebo todo mês por ser professor da UBEB, minha relação com a
educação, como educador e professor. Como professor também estou tendo
inclusive, uma relação com a comunicação, porque virei professor do curso de Comunicação, mas
entre a comunicação e a educação eu tenho outro tripé, que é a cultura e não
ganho nada trabalhando com ela e até hoje não foi uma fonte de renda para mim,
mas por exemplo, é onde eu faço minhas terapias, invisto meu sentimento, minha
afetividade. Tenho uma relação muito intensa com Curaçá porque aprendi, não só
o fato de ter vivido o teatro, a poesia, a música e tal quando participava da
Curaçarte, em Curaçá, mas também porque participei da organização do Pôr do Sol
e até hoje continuo participando da organização do Chá do Último Pôr do Sol do
ano em Curaçá, que já virou tradição e agora me envolvi com o Revival,
envolvimento leve. Enquanto ao Aqbxiba, foi um teste e peitar a capacidade de
fazer cultura, foi muito bacana ter feito mesmo com muito sacrifício tendo que
colocar dinheiro do bolso para custear certas despesas. O primeiro Aqbxiba foi
muito interessante o fato de Serginho ter feito a peça Será o Benedito?!, que
foi muito aclamada na cidade. Aquele teatro bombando, gente por tudo que é
lado, uma imagem maravilhosa. O fato de ter contribuído com isso, me sinto
gratificado, mesmo com problemas para ser construído e não está descartada a
possibilidade de fazer outro, porque para mim, é importante continuar
oferecendo, e eu tenho certeza que muitas pessoas inseridas nisso, de algum
modo se transforma, reorganiza sua subjetividade. Então, a cultura é uma
trincheira minha.
Com
relação à juventude, como você percebe o envolvimento desta na construção do
município como um todo? Existe interesse ou estamos vivendo uma geração
perdida?
Pinzoh – Eu acredito que a juventude é
cada vez mais uma incógnita. A juventude sempre foi essa coisa mal compreendida
e mal localizada por uma série de razões, até mesmo porque, os jovens vivem uma
fase que eles não foram devidamente assimilados pela cultura e a sociabilidade
adulta e, deste modo, eles enxergam essa sociabilidade com certo nível de
controle, então eles reagem a isso. A princípio, o jovem sempre foi um
contestador, sempre foi um irreverente e grande parte da inovação do mundo se
deve a cabeça dos jovens que se colocaram contra padrões estabelecidos. Em
Curaçá vai continuar existindo, aqui e ali, um jovem que se coloca contra isso
e tal. Só que o tipo de rebeldia do jovem de hoje não é nem uma rebeldia, acho
que não existe uma transgressão, pois já está tudo escrachado, tudo
arreganhado. Os pais perderam o poder de mediação em relação ao jovem. Você
chega a Curaçá hoje e o que você mais ouve são os pais reclamando que não tem
mais o que fazer com os jovens, pois houve uma liberação muito grande e eles
perderam o controle. Então digo, não é mais uma transgressão, é uma perversão.
Transgressão é quando você faz questionamentos, eu não vejo isso lá. Eles aproveitam
a perversividade que está colocada e essa liberação para escrachar. Vejo, por
exemplo, na sociedade que todos dizem que é da informação, do consumismo, porém
os meninos com um nível de informação baixíssimo. Todo mundo está na internet,
na lan house, no Orkut, no MSN, todo
mundo está na rede, nos rizomas cibernéticos, mas até nisso eles estão muito
alienados. Dominam mal a língua portuguesa, os conhecimentos básicos sobre o
país, do estado, sobre o município de Curaçá, dominam mal informações sobre si
próprio. Uma coisa que me assusta são os jovens que vivem à custa dos pais e
muitas meninas parindo e dando os filhos para os pais, existe hoje uma geração
de filhos de avós e até filhos de bisavós. Então, vendo tudo isso eu não posso
achar que esse quadro é bacana e de consciência, eu só posso achar que é um
quadro de alienação profunda. O que muitos enxergam como transgressão,
irreverência e revolução, eu digo que é alienação e perversão. E vejo muita
falta de preocupação com o futuro, muito hedonismo, muito narcisismo, muita
gente que não está preocupada com o meio ambiente, com política e com ética. A
preocupação é se jogar, curtir, encher a cara e fazer sexo. Enfim, isso me
entristece brother [sic], não tem
condições de você diante de um negócio desses, ver jovens sem estudar e escolas
fechando por falta de aluno. Então, não estudaram, não se prepararam, não
arrumaram o que fazer, estão largados no mundo, isso é uma lástima porra [sic].
Isso é outra forma de iniqüidade fantástica que a gente precisa começar a
discutir e a problematizar. Eu fico muito triste, pois em Curaçá, a juventude é
essa impressão. É claro que tem as exceções, tem gente preocupada, tem gente
fazendo poesia, ouvindo boa música, produzindo bons conteúdos, fazendo boas
conversas, tem gente que não está, simplesmente, largada na buraqueira da
alienação completa, eu vejo tem algumas pessoas interessantes que são as minhas
esperanças para que as coisas tomem outros rumos.
Autor de várias poesias, do livro (com Pinduka nos anos 80) e músicas (com Fernando Barbalha), como o sucesso ‘Azul’ que é muito conhecida, o Josemar que virou Pinzoh, pretende escrever algum livro que trate da cultura curaçaense? Quando você ficar ‘Bem Velho’, o que pretende fazer?
Pinzoh – [Risos] Quando eu ficar bem velho quero arrumar um lugar para ficar
tranqüilo, que pode ser em Curaçá e pode ser em qualquer outro lugar, contando
que haja terra e água e gente bacana para conviver comigo e está tudo certo.
Este ano vou publicar um livro. Na verdade, a idéia era publicar mais de um,
pois já tenho muita coisa escrita, acumulada e guardada. Tem uma publicação
específica que é dirigida à educação e que dialoga também com a comunicação e
com a cultura, porque a minha trincheira é esse tripé. Então, se eu for falar
de educação, não posso deixar de falar de comunicação e cultura. E tem uma
outra coisa que é dedicada à tematização mais cultural que venho fazendo
ultimamente. Por exemplo, o que venho questionando é uma junção de coisas que
surgiram com o vídeo o ‘Estado da Arte da Fuleragem’ e que tem surgido agora
nas minhas andanças pelas diversas cidades da Bahia. É uma preocupação com três
formas de iniqüidade: o lixo, o ficus e a fuleragem, é uma tematização da
cultura dentro dessa tríade de iniqüidade que eu as chamo de iniqüidades
contemporâneas que é o lixo, o engessamento da paisagem urbana com o ficus
benjamina e a fuleragem, a música fuleira que todo mundo sabe o que é. Existe
essa preocupação de publicar essas coisas, mas tem ‘uma coisinha’ com poesias. Não existe nada específico de Curaçá.
Futuramente sim, inclusive, eu quero escrever as minhas memórias de Curaçá. Eu
quero fazer literatura diferente dos demais. Eu não quero ser o herói. Nem fui
herói, não sou e nem quero me fazer passar por um herói. Eu não pretendo criar
para mim um super-personagem. Na verdade, o que eu quero é dar visibilidade aos
diversos personagens. Enfim se eu fosse fazer um livro, a literatura sobre
Curaçá, eu tenho uma riqueza de personagens que entrariam nesse livro, cada um
com uma feição específica, uma contribuição específica para história da cultura
de Curaçá. Eu não quero ser um Mister Pinzoh, Mister Pinza nem Super Pinza. Eu
não quero nada disso. Eu quero apenas escrever coisas que tem a ver com a minha
vida, por tanto tem a ver com o que eu vivi, o que senti, o que eu vi, de onde
eu vim, e gostaria muito de ter a capacidade de dar sentido aos diversos
personagens dos quais eu me relacionei e me relaciono até hoje ali [em Curaçá].
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