terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A cultura curaçaense sob o olhar de Pinzoh

Entrevista  com JOSEMAR MARTINS (PINZOH)
Por Luciano Lugori e Raianne Guimarães
O Josemar que virou Pinzoh
Josemar da Silva Martins, mas conhecido como Pinzoh, filho de Curaçá-Bahia, professor da UNEB, poeta, músico e idealizador do INOVE, fala da sua geração e dos movimentos culturais, analisa a cultura curaçaense e sua transformação em espetacularização, suas frustrações e transversalidades primordiais, seus planos e ainda alfineta a perversão e alienação da juventude

L. Lugori / R. Guimarães - Como você enxerga a cultura de Curaçá? Ela e seus ícones continuam com a mesma originalidade? 
Pinzoh - A cultura de Curaçá é um negócio bem amplo. Existem ali alguns ícones culturais ligados às tradições como, por exemplo, os vaqueiros cujo ícone é mantido através da Festa dos Vaqueiros, os marujos e a marujada, as festas de São Benedito e São Gonçalo. Essas tradições tem autonomia em relação ao status, existe um ritual próprio, existe até um calendário de acontecimentos de reiteração da cultura que é próprio. No meu modo de ver essas tradições diminuíram a regularidade e passaram a acontecer de modo festivo. Uma roda de São Gonçalo e um Reisado, por exemplos, que eram dentro de um ritual religioso, agora acontece dentro de um ritual mais festivo, mais espetacularizado, próximo da coisa do turismo, uma coisa mais de multidão e, inclusive, diante disso passaram a ser geridas pelo poder público, causando a perda de sua autonomia. Fora do âmbito das tradições culturais tem a cultura mais ligada à arte e a estética, são os símbolos artísticos estéticos (as artes, a música, a dança, a poesia etc). Nesse sentido, acredito que todo mundo quando fala que é de Curaçá, existe geralmente uma reação que Curaçá é uma cidade cultural, isso pelo fato de ter um teatro centenário, pelo fato de que ali sempre houve, em vários momentos da história, um poeta, uma pessoa que lhe dava com música, que tocava. Tem pessoas significativas que tem uma origem em Curaçá. Quando falamos que Curaçá é uma cidade cultural nos referimos um pouco a essa história da arte em Curaçá, do Teatro Raul Coelho, de Meu Mano e do pessoal de Barro Vermelho. Este lugar tem uma veia cultural artística como Fred Dantas e Adelmário Coelho. Dizem até que João Gilberto nasceu em Barro Vermelho, à família de dele tem origem lá.  Já houve um momento em Curaçá que tinha lugares que você ia e ouvia músicas interessantes, tocava violão, conversava. Hoje, em todos os lugares você houve a mesma música, então, parece que houve uma homogeneização do que tem de pior, o que é um paradoxo já que a gente está numa sociedade em que todos discutem a questão da diversidade, a sociedade da diversidade e, no entanto, você chega a Curaçá e é uma redundância constante das mesmas coisas, dos mesmos gestos, dos mesmos gostos, enfim, do mesmo sotaque estético. Inclusive as tradições populares também vão se aproximando um pouco dessa espetacularização que acontece pela indústria cultural. A Festa dos Vaqueiros é um exemplo claro disso, houve uma perda significativa das características típicas da festa, quer dizer, os vaqueiros hoje são a desculpa oficial da festa, eles são alegoria que funciona como a disputa oficial da festa, mas a festa não é mais dos vaqueiros e nem para vaqueiros, é festa para turista. A Festa de São Benedito continua tendo um simbolismo muito forte, mais a cada dia que passa há uma tendência também de se espetacularizar e perder esse simbolismo. Pessoas falam da perda simbólica que está havendo na Marujada, porque muita gente vai para Marujada pra fazer farra, vai por ir, vai porque se joga lá e enche a cara. Presenciei uma cena em que o líder da Marujada estava dando uma bronca num grupo de jovens que estavam tocando pagode lá, ele falou, “aqui não é pra tocar pagode e sim as músicas da Marujada”. A tendência é a perda de qualidade simbólica em benefício de uma espetacularização mais ligada ao consumo geral, é virar objeto de consumo, moeda de troca. A minha sensação em relação aos movimentos culturais de Curaçá é que eles se fragilizaram em relação a tudo isso.

Você poderia relatar de que modo sua geração, na efervescência dos anos 80, contribuiu para valorização e divulgação da cultura curaçaense?  
Pinzoh – Eu acredito que aquilo que a gente fez não contribuiu muito para a cultura mais tradicional da cidade. O que a gente fez foi questionar o que estava sendo colocado lá, pois incomodava-nos aquela coisa da banalidade das músicas e da estética cotidiana. A gente viveu muito o teatro, a poesia, o rock, a gente ouvia muita Música Popular Brasileira, como Pena Branca e Xavantinho, Fagner, Caetano, Belchior, Ednardo e tanta gente. Hoje em dia, se você colocar o próprio termo Música Popular Brasileira, as pessoas vão lhe perguntar-se sobre o que isso é afinal? O Rebollation e a Lapada na Rachada são ou não Música Popular Brasileira?  Quero dizer com isso, que de lá para cá, houve uma perda também do significado da própria noção de Música Popular Brasileira. De certo modo, o que a gente fez em Curaçá foi questionar o rebaixamento estético, o qual havia em todo lugar. Então assim, o fato da gente ter vivido o teatro, ter vivido com certo nível de irreverência, não um teatro convencional, papai e mamãe, não era esse tipo de teatro, era um teatro com certo nível de ousadia. A gente lia Augusto Boal com O Teatro do Oprimido e Bertolt Brecht com um tipo de proposição mais política. Uma coisa que a gente, por exemplo, se relacionava bem era com o chamado analfabetismo político, o Analfabeto Político de Bertolt Brecht. A gente estava ali pegando a referência que era típica daquele momento de abertura, finalzinho da Ditadura Militar, aproveitando um ressurgimento da cultura nacional, da música do nacional, do rock nacional, de um questionamento generalizado que estava vindo naquele período. Eu acredito que a gente desfrutou daquilo e levou para Curaçá o que nacionalmente estava pulsando, não era coisa dedicada ao abestalhamento, e sim a colocar um questionamento crítico ali em relação à própria cultura.

Sabemos que foram tantos os eventos, encontros e movimentos, e mesmo com dificuldades, com enfrentamento político e a represália militar, eles aconteciam. De quem partiu a idéia do Movimento Curaçarte, o qual foi, digamos assim, ‘revivido’ recentemente no Revival? Qual foi o verdadeiro sentido do movimento?
Pinzoh - Na verdade não partiu deliberadamente de uma pessoa. O que aconteceu foi o seguinte: havia pessoas que estavam voltando de fora para Curaçá, tem haver com o fato de ter pessoas que tinham uma conexão para além de Curaçá. Então você tinha: Roberval que morara em Recife e tinha uma relação, portanto, com o mundo urbano e com coisas de outra atmosfera cultural. Dodó tinha morado em São Paulo, tinha participado de algumas práticas que a gente até pode classificar como práticas do Movimento Hip. Ele trouxe uma referência de música, de poesia. Pinduka e Nilson, irmãos de Dodô, estavam voltando de São Paulo também. Tinha um pessoal que trabalhava na Casa Paroquial, ligada à igreja, mas que era um pessoal do Sul, do Paraná, mas com uma referência importante de poesia, música, literatura, cinema e teatro. Então o que aconteceu foi uma convergência de referências que estavam chegando naquela época e que acabou se juntando com quem estava lá, com quem estava meio de bobeira, estava aéreo, foi isso que aconteceu. Por exemplo, a 1ª Semana Cultural, que aconteceu no inicio dos anos oitenta, se não me engano foi oitenta e dois, foi a que eu participei, fiquei em terceiro lugar com a poesia A Mão, eu nem sabia o que era aquilo, ali tinha um pessoal que chegavam entusiasmados com as coisas que viram aí pelo mundo e disseram assim: - Vamos fazer alguma coisa aqui! E então fizeram essa Semana Cultural. O Movimento Curaçarte surgiu dessas semanas culturais, se eu não me engano foram umas 5 ou 6. No primeiro ano fui apenas participante, do segundo em diante, eu já tinha integrado o grupo que estava organizando. Enfim, a gente foi se misturando, vários adolescentes de bobeira na cidade a fim de fazer coisas e acredito que isso foi nos agregando e aí virou um movimento nosso. De inicio não era um movimento meu, pois eu estava chegando da roça, do São Bento e fui me envolvendo com Roberval, Libânia, Lurdinha, Ivan, Dodó, Pinduka, aí foi entrando eu, Iran, Cacá de Bela, Nazaré, Zuleide, mais tarde Leila e outras pessoas da cidade começaram a participar. A Curaçarte para mim foi resultado dessa confluência de coisas que estavam acontecendo. 

Você foi um dos responsáveis pela criação da ONG INOVE no município. O INOVE já fez muitos projetos, inclusive, um deles foi contemplado justamente na área da cultura, o que resultou no curta (nem tão curto) 'O Estado da Arte da Fuleragem', que teve algumas cenas gravadas em Curaçá, isso foi fruto de uma preocupação com os rumos que estão tomando as coisas em Curaçá?
Pinzoh - Eu tenho certa frustração com o INOVE, porque ele de fato foi proposto para catalisar energias da cidade e fazer com que essas energias humanas pudessem ir atrás de apoio, recursos e criar oportunidades lá. Isso foi de certo modo frustrado e eu mesmo tenho um nível de frustração em relação ao INOVE. Mas a proposta do INOVE, era de fato problematizar a forma como a gente vem fazendo cultura, que é cada vez pior. Existem duas coisas: o mercado da cultura que é cada vez pior, com pouca dedicação das pessoas e existe também o mercado que contempla a arte sofisticada, voltada para elites – para quem pode pagar bem, ir aos teatros ver peças clássicas como Hamlet de Shakespeare. Obras caras que não são acessíveis ao povo. Ao povo, hoje em dia, existe um conto que reflete bem a oferta ao povo: ‘O mito das sereias’, que é a obra Odisséia de Homero, quando Ulisses está voltando para Grécia e encontra à feiticeira Circe, esta o aconselha para que se ele quisesse escapar, ele teria que se amarrar e tapar os ouvidos dos remadores para não ouvirem o canto das sereias, que são belíssimos, mas são tão belos que qualquer vivente que ouve se atira e se deixa consumir pela beleza dos cantos. Então, O pessoal da história de Frankfurt acha que esse é o momento que a arte se dividiu em arte de elite refinada, tão refinada que o consumidor dessa tem que ser educado, amarrado, aprisionado aos rituais para poder não se entregar a essa beleza, e ao povo geralmente o que se dá é cera nos ouvidos, como a música de hoje. Eu tenho a impressão que a música atual acaba danificando o aparelho auditivo e a capacidade de ouvir, de lhe dar com a sutileza. Então, o INOVE tinha não só o interesse em questionar essas coisas, mas também oferecer por outro lado oportunidades, mas, por enquanto, precisa-se inovar. O que aconteceu foi o seguinte: devido a minha falta de tempo não pude dedicar-me a ele e também fiquei um tanto cansado com as pessoas que faziam parte dele e o abandonei. Mas enfim, a história do INOVE não está terminada. O meu interesse com INOVE ou sem INOVE é continuar questionando em Curaçá o modo que a gente anda produzindo e dispondo a cultura para a população.

O INOVE tem pressupostos fincados na gestão ecologicamente sustentável dos recursos naturais e na manutenção da diversidade cultural e biológica para as presentes e futuras gerações. O município tem sofrido com alterações socioeconômicas e histórico-culturais, ainda mais agora com a construção de barragens. Você acredita que toda essa construção histórica pode ir por água abaixo?
Pinzoh – É, por água abaixo literalmente [risos], literalmente por água abaixo, porque se construir as barragens pelo o que eu sei, a ilha, por exemplo, desaparece, não sei se vai por água  abaixo, mas pelo menos vai ficar embaixo da água. O lance das barragens é um tema complicado porque, por um lado ele mexe com a vida de muita gente, tem uma coisa dolorosa que é tirar as pessoas dos lugares e levar pra outros. Você tem um problema sério que produz certo desequilíbrio. Agora, se for vê por outro lado, esse desequilíbrio pode ser também produtor de outras ecologias de sentido, depende do modo que for feito. Eu não sou muito otimista em relação a isso, porque até a coisa se equilibrar, haja desequilíbrio. O aquecimento global vai receber uma contribuição formidável porque a geração de energia elétrica é uma das fontes de aquecimento global e a gente vai dar a nossa cota de contribuição para o desequilíbrio global. O grande paradoxo disso é que tudo é feito em nome do desenvolvimento, do crescimento econômico e da geração de renda, o modelo de crescimento mundial está sustentado nisso. O desenvolvimento é paradoxo, fica o tempo todo produzindo riquezas e nos levando para o abismo. Isso também vai chegar a Curaçá e acredito que boa parte da população até deseja isso. A prefeitura, talvez, até deseje os royalties que é um dinheiro que não se presta conta e os políticos sentem-se contemplados com isso. É um problema sério, mas não está tudo perdido. A interferência na cultura eu não consigo avaliar do ponto de vista da cultura, o que tem de bom e ruim, primeiro porque essa interferência já existe da forma mais escrota [sic] possível. Quando você fala de patrimônio cultural, uma boa parte simbólica vai ser afogada. Se considerarmos que o cemitério é patrimônio histórico, que é onde está à ancestralidade da nossa gente, boa parte da história, é preciso considerar que esse patrimônio vai ser afogado. Existem essas perdas que são irreparáveis e incalculáveis. Estou me referindo há um tipo de conteúdos simbólico, mas existem outros conteúdos símbolos que tendem ir por água abaixo, ou então ficarem embaixo d’água com essa história das barragens. Agora com relação à interferência na cultura ordinária da cidade e com o tipo de distribuição cultural que tem na cidade, eu não sei se piora mais do que já está, pois já está muito ruim. Pode ser que, inclusive, apareçam outras pessoas com capacidade e outras mentes para produzir outros significados, nesse sentido, acredito que pode ser algo até bom.

Você escreveu no perfil de seu Blog que se chama Josemar Martins, mas que há muito tempo virou Pinzoh, que virou Professor, mas é a poesia, a arte e a cultura a sua transversalidade primordial. Como você explica isso?  Nessa transversalidade, você inclui temas como Curaçarte, O Último Pôr do Sol, Aqbxiba, Revival, o que isso represen (ta/tou) para você e para Curaçá?
Pinzoh - Quem paga minhas contas é o salário que eu recebo todo mês por ser professor da UBEB, minha relação com a educação, como educador e professor. Como professor também estou tendo inclusive, uma relação com a comunicação, porque  virei professor do curso de Comunicação, mas entre a comunicação e a educação eu tenho outro tripé, que é a cultura e não ganho nada trabalhando com ela e até hoje não foi uma fonte de renda para mim, mas por exemplo, é onde eu faço minhas terapias, invisto meu sentimento, minha afetividade. Tenho uma relação muito intensa com Curaçá porque aprendi, não só o fato de ter vivido o teatro, a poesia, a música e tal quando participava da Curaçarte, em Curaçá, mas também porque participei da organização do Pôr do Sol e até hoje continuo participando da organização do Chá do Último Pôr do Sol do ano em Curaçá, que já virou tradição e agora me envolvi com o Revival, envolvimento leve. Enquanto ao Aqbxiba, foi um teste e peitar a capacidade de fazer cultura, foi muito bacana ter feito mesmo com muito sacrifício tendo que colocar dinheiro do bolso para custear certas despesas. O primeiro Aqbxiba foi muito interessante o fato de Serginho ter feito a peça Será o Benedito?!, que foi muito aclamada na cidade. Aquele teatro bombando, gente por tudo que é lado, uma imagem maravilhosa. O fato de ter contribuído com isso, me sinto gratificado, mesmo com problemas para ser construído e não está descartada a possibilidade de fazer outro, porque para mim, é importante continuar oferecendo, e eu tenho certeza que muitas pessoas inseridas nisso, de algum modo se transforma, reorganiza sua subjetividade. Então, a cultura é uma trincheira minha.

Com relação à juventude, como você percebe o envolvimento desta na construção do município como um todo? Existe interesse ou estamos vivendo uma geração perdida?
Pinzoh – Eu acredito que a juventude é cada vez mais uma incógnita. A juventude sempre foi essa coisa mal compreendida e mal localizada por uma série de razões, até mesmo porque, os jovens vivem uma fase que eles não foram devidamente assimilados pela cultura e a sociabilidade adulta e, deste modo, eles enxergam essa sociabilidade com certo nível de controle, então eles reagem a isso. A princípio, o jovem sempre foi um contestador, sempre foi um irreverente e grande parte da inovação do mundo se deve a cabeça dos jovens que se colocaram contra padrões estabelecidos. Em Curaçá vai continuar existindo, aqui e ali, um jovem que se coloca contra isso e tal. Só que o tipo de rebeldia do jovem de hoje não é nem uma rebeldia, acho que não existe uma transgressão, pois já está tudo escrachado, tudo arreganhado. Os pais perderam o poder de mediação em relação ao jovem. Você chega a Curaçá hoje e o que você mais ouve são os pais reclamando que não tem mais o que fazer com os jovens, pois houve uma liberação muito grande e eles perderam o controle. Então digo, não é mais uma transgressão, é uma perversão. Transgressão é quando você faz questionamentos, eu não vejo isso lá. Eles aproveitam a perversividade que está colocada e essa liberação para escrachar. Vejo, por exemplo, na sociedade que todos dizem que é da informação, do consumismo, porém os meninos com um nível de informação baixíssimo. Todo mundo está na internet, na lan house, no Orkut, no MSN, todo mundo está na rede, nos rizomas cibernéticos, mas até nisso eles estão muito alienados. Dominam mal a língua portuguesa, os conhecimentos básicos sobre o país, do estado, sobre o município de Curaçá, dominam mal informações sobre si próprio. Uma coisa que me assusta são os jovens que vivem à custa dos pais e muitas meninas parindo e dando os filhos para os pais, existe hoje uma geração de filhos de avós e até filhos de bisavós. Então, vendo tudo isso eu não posso achar que esse quadro é bacana e de consciência, eu só posso achar que é um quadro de alienação profunda. O que muitos enxergam como transgressão, irreverência e revolução, eu digo que é alienação e perversão. E vejo muita falta de preocupação com o futuro, muito hedonismo, muito narcisismo, muita gente que não está preocupada com o meio ambiente, com política e com ética. A preocupação é se jogar, curtir, encher a cara e fazer sexo. Enfim, isso me entristece brother [sic], não tem condições de você diante de um negócio desses, ver jovens sem estudar e escolas fechando por falta de aluno. Então, não estudaram, não se prepararam, não arrumaram o que fazer, estão largados no mundo, isso é uma lástima porra [sic]. Isso é outra forma de iniqüidade fantástica que a gente precisa começar a discutir e a problematizar. Eu fico muito triste, pois em Curaçá, a juventude é essa impressão. É claro que tem as exceções, tem gente preocupada, tem gente fazendo poesia, ouvindo boa música, produzindo bons conteúdos, fazendo boas conversas, tem gente que não está, simplesmente, largada na buraqueira da alienação completa, eu vejo tem algumas pessoas interessantes que são as minhas esperanças para que as coisas tomem outros rumos.

Autor de várias poesias, do livro (com Pinduka nos anos 80) e músicas (com Fernando Barbalha), como o sucesso ‘Azul’ que é muito conhecida, o Josemar que virou Pinzoh, pretende escrever algum livro que trate da cultura curaçaense? Quando você ficar ‘Bem Velho’, o que pretende fazer?
Pinzoh[Risos] Quando eu ficar bem velho quero arrumar um lugar para ficar tranqüilo, que pode ser em Curaçá e pode ser em qualquer outro lugar, contando que haja terra e água e gente bacana para conviver comigo e está tudo certo. Este ano vou publicar um livro. Na verdade, a idéia era publicar mais de um, pois já tenho muita coisa escrita, acumulada e guardada. Tem uma publicação específica que é dirigida à educação e que dialoga também com a comunicação e com a cultura, porque a minha trincheira é esse tripé. Então, se eu for falar de educação, não posso deixar de falar de comunicação e cultura. E tem uma outra coisa que é dedicada à tematização mais cultural que venho fazendo ultimamente. Por exemplo, o que venho questionando é uma junção de coisas que surgiram com o vídeo o ‘Estado da Arte da Fuleragem’ e que tem surgido agora nas minhas andanças pelas diversas cidades da Bahia. É uma preocupação com três formas de iniqüidade: o lixo, o ficus e a fuleragem, é uma tematização da cultura dentro dessa tríade de iniqüidade que eu as chamo de iniqüidades contemporâneas que é o lixo, o engessamento da paisagem urbana com o ficus benjamina e a fuleragem, a música fuleira que todo mundo sabe o que é. Existe essa preocupação de publicar essas coisas, mas tem ‘uma coisinha’ com poesias.  Não existe nada específico de Curaçá. Futuramente sim, inclusive, eu quero escrever as minhas memórias de Curaçá. Eu quero fazer literatura diferente dos demais. Eu não quero ser o herói. Nem fui herói, não sou e nem quero me fazer passar por um herói. Eu não pretendo criar para mim um super-personagem. Na verdade, o que eu quero é dar visibilidade aos diversos personagens. Enfim se eu fosse fazer um livro, a literatura sobre Curaçá, eu tenho uma riqueza de personagens que entrariam nesse livro, cada um com uma feição específica, uma contribuição específica para história da cultura de Curaçá. Eu não quero ser um Mister Pinzoh, Mister Pinza nem Super Pinza. Eu não quero nada disso. Eu quero apenas escrever coisas que tem a ver com a minha vida, por tanto tem a ver com o que eu vivi, o que senti, o que eu vi, de onde eu vim, e gostaria muito de ter a capacidade de dar sentido aos diversos personagens dos quais eu me relacionei e me relaciono até hoje ali [em Curaçá].

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